de equilibrio…

Encontrei num momento de tédio e internet disponivel, um blog Americano de uma mulher.

Bonita. Meia loura, meia ruiva, cabelos compridos sempre impecáveis, magra, 3 filhos, um marido que acaba de ser feito partner numa firma de advogados. Sorri da mesma forma em todas as fotos. Aquele sorriso que só as Americanas têm; muito aberto, mostrando os dentes todos, perfeito.

As crianças têm os olhos azuis. São duas meninas e um rapaz bebé que sorri em todas as fotos. Também ele muito Americano e aberto, mostrando os dentes todos, incluindo o que partiu ao cair na semana passada.

Fui saltando de post para post sem conseguir parar e sem conseguir definir se estava a gostar ou não.

Fui ao histórico.

Vi as decorações de Natal dos vários anos. A perfeiçao da combinação de cores e as instruçoes detalhadas de como o fazer. Os preços, as lojas onde encontrar os produtos. Vermelhos e verdes apenas. E branco, claro. Tudo pronto a usar.

Vi os fatos da Noite das Bruxas, as festas do bairro nas ocasiões festivas, a piscina da casa nova da mãe. A arrumação do pantry, as filas e filas de comida enlatada e congelada – porque ela nao cozinha.

O marido alto que engordou no primeiro ano de casado e que ao longo dos postais de Natal se foi vendo recuperando a forma até ficar mais musculado do que nos tempos de liceu.

A festa no escritório quando se tornou partner, a foto com o senior partner e a familia.

A Igreja Mormon que frequentam.

As sextas feiras que ela dedica a um post sobre fashion e vai-se fotogrando no espelho da casa de banho com as diferentes combinações de peças discretas acentuadas aqui e ali por um cinto.

As meninas em rosa, o quarto em branco e rosa, a procura de uma casa nova, a arrumação das gavetas, a arrumação dos armários, a arrumação, a arrumação. O exercício.

Os encontros com amigas, as conferências sobre Parenting.

As receitas de doces para as festas da escola e oferta a professores e amigos feitos à base de M&M’s e outras guloseimas de saco, empilhadas e levadas ao forno ate derreterem e se fundirem.

Mais fotos de familia,

Mais fotografos profissionais a organizarem o postal de Natal.

E numa base diária vou lá – numa espécie de voyeurismo provinciano – espreitar a vida da senhora!

Mais ou menos surpreendida com o facto de  não conseguir perceber se acho tudo aquilo tão absurdamente ridiculo, tão à letra do que deve ser a vida de uma mulher de classe média em ascensão na América, tão distante do que eu conseguiria aceitar como uma possibilidade de realidade para mim e simultaneamente tão confortável. Uma vida calendarizada,  em que os eventos se sucedem e repetem com a mesma cadência das estações do ano, em que na realidade as estações do ano fazem parte da definição do calendário.

E pergunto-me como é possivel viver assim sem acordar um dia pela manhã atacando os  proprios pulsos à dentada.

E depois percebo.

E consigo ver a felicidade da senhora. E o equilibrio da familia. E a importância do postal de Natal. E percebo que vou lá porque acho tudo aquilo enternecedor; os namorados de Liceu que controem um projecto de vida em comum, à semelhança dos pais, dando continuidade à realidade que conheceram. E percebo também que a adoptei a senhora sem que ela saiba. E que como qualquer mãe preocupada, visito-a diariamente com um receio terrivel de que toda aquela realidade tão cuidadosa e amorosamente construida, possa lá não estar no dia seguinte. Porque basta o marido não querer.

E fecho o separador sabendo que penso todas as estas coisas porque me sinto arrogantemente crescida.

E há um conforto enorme, mesclado de presunção, ao perceber que um dia acordamos e realizamos que já retirámos da vida um conjunto de experiências e informações que nos permitem rejeitar sem ter que pensar muito no assunto, uma série de sistemas e atitudes, valores e contravalores. E que por vezes nos podemos definir não necessariamente por aquilo que exarcebadamente defendemos, mas simplesmente pelo que rejeitamos.

E que viver à luz do “não sei por onde vou, mas sei que não vou por aí” é uma filosofia tão legitima como outra qualquer, mas que na realidade, surpreendentement exige uma constante análise e reflexão que se faz intuitivamente.
E será essa busca que definirá o meu percurso.

A dois!

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