
(chiloé – foto de Tiago Gava)
A V. mencionou Pablo Neruda e eu lembrei-me da cassete pirosa que comprei no chile com a voz dele a declamar poemas. nunca a ouvi. sempre que alguém declama sinto um certo constrangimento. acho os olhos fechados as mãos estendidas o fingimento do sentimento uma coisa muito embaraçosa para quem o faz. e fico numa aflição por a pessoa estar naquela figura. nada me angustia mais do que a maria barroso a declamar. o arrastar das palavras o acento forçado de certas tónicas. dá-me uma alfição tremenda. a senhora nem precisa daquilo para viver.
acho que a poesia tem que ser lida com a nossa própria voz e para dentro.
tenho um amigo, daqueles do tempo de escola, daqueles que partilharam a análise das divisões silábicas dos versos e a tortura dos cantos, que quando conversamos, invariavelmente a cada 5 minutos, sai-nos uma referência qualquer a Pessoa para ilustrar o que dizemos.
e eu por vezes penso que não é o Pessoa que sabe muito sobre o que sentimos, que escolheu as palavras que não conseguimos encontrar. é menos do que isso, somos nós a lembrarmo-nos que ambos ambos sabemos de onde viemos e que para nos entendermos, assim como só nós dois o fazemos sem artificios, precisamos de voltar lá e trazer o que fomos para o presente através das palavras do poeta.
e assim para nós, a poesia torna-se a preguiça da expressão.
de Neruda diziam-me os miudos em chiloé, que morreu de tristeza. que não estava doente, mas ficou triste triste triste com o chile da ditadura sem palavras livres e a tristeza foi apagando cada um dos seus orgãos até lhe tirar o sopro.
e sentada na praça em Castro a olhar a igreja pintada de salmão e lilás, tudo isso me pareceu perfeitamente lógico e credivel.
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