Acordei ás 6.30 da manhã de supetão.
A parte superior do corpo ergueu-se sem eu ter noção de ter usado ou não as mãos como apoio.
Virei a cabeça para o lado esquerdo e vi a luz do dia e senti o ar fresco da madrugada em forma de brisa a agitar suavemente as folhas da cerejeira.
Inspirei.
Vi a teia de aranha que se formou durante a noite.
Expirei.
Virei novamente a cabeça e olhei para a parede branca em frente e subitamente, assim como se fosse um clique, assim como se estivesse na água prestes a afogar-me e a vida me passasse pela frente em meras fracções de segundo como nos filmes não-europeus, assim subitamente, consegui identificar todas as más decisões que tomei na vida, o porque foram más, o quando começaram a ser más, o porque se tornaram más. E dava a sensação que as seguia com o dedo como se fizesse a decomposição de uma frase em árvore, a esquematização de um projecto, como se seguisse um mapa de estrada com todas as pequenas aldeias e lugarejos identificados.
E sucederam-se os rostos, as paisagens, as reuniões, as paixões. E em cada uma das situações que visionava eu podia com o indicador precisar com exactidão em que momento se deu a mudança. Como se fosse uma complexa rede rodoviária e o dedo apontasse todas as intersecções.
E aquele momento de clareza trouxe-me uma paz e uma angústia e um sossego agitado. E a sensação de finalmente ter percebido o meu trajecto, o porquê do meu trajecto, o sentido de cada angústia, o papel de cada pessoa que se cruzou comigo, ou a ausência dele. E vi os rostos daqueles em quem não vou investir mais, e vi os rostos daqueles por quem perdi o respeito, e vi os rostos daqueles a quem me cansei de perdoar e tentar entender e senti-me especialmente forte. Pela primeira vez senti-me imbatível.
Não imbatível de uma forma arrogante, mas imbatível porque consciente do que sou, do caminho que fui traçando entre o desejo, o plano e o acaso, dos meus grandes fracassos, dos meus pequenos sucessos, fui sempre eu toda e inteira, sofrendo com a mesma intensidade com que vivi a alegria, com a mesma sofreguidão com que como um prato de pene e salmão fumado com molho de vodca.
E adormeci novamente.
E o segundo despertar foi igual ao dos outros dias.
“(…)fui sempre eu toda e inteira, sofrendo com a mesma intensidade com que vivi a alegria, (…)”
oh eu aqui retratada 😉
(deve ser por isso que gosto tanto de ti)
🙂 e tu és maningue nice!!!
Tiveste uma epifânia!
Foi tão bom ler-te agora.
Toca de seguir em frente (mesmo que em zigs-zags)
Como a weeb se tornou num verdadeiro caleidoscópio!
Quase sem darmos por isso ao espreitarmos sites e blogues acabamos muitas vezes a comunicar com outras pessoas com gostos e interesses comuns.
Hoje foi o caso! Como achei engraçado ao ler o seu comentário ao artigo “respirar” no site da Rosa Pomar onde refere uma mulher que andava pela praia apanhar cacos na Ilha de Moçambique e com eles criava jóias. Uma irmã minha, também tinha esse vício nesse mesmo lugar maravilhoso e coleccionava cacos lindos.
Sou natural da Ilha de Moçambique e lá passei a maior parte da minha infância e adolescência e cada vez acredito mais que só quem viveu em África (nascido ou não) compreende essa grande magia, que nos toca para sempre, das suas gentes, cores e cheiros.
Sou uma apaixonada pelo hand craft e adorei os seus bonecos, as capulanas e as suas fotos. Vou continuar a espreitar o seu blogue.
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