Cansado da sala, dos quartos, do jardim e da pequena praia, cansado de viver num mundo tão pequeno, o Hermenegildo acorda determinado a mudar de vida.
Corre para a cozinha, toma o pequeno almoço na sua taça em forma de peixe em tons de azul e encaminha-se para o portão.
Olha para a direita e vê os meninos a brincar na rua. Olha para a esquerda e vê a estrada grande. Olha para trás e vê a casa com a varanda onde todos se sentam a beber café e contemplar o mar, e a porta da cozinha onde junto ao armário se encontra a taça em forma de peixe em tons de azul. Levanta mais a cabeça e olha para o meu quarto lá no cimo, com a janela entreaberta para que ele possa levantá-la com a pata e entrar durante a noite. E o Hermenegildo respira fundo e diz:
– Miau! – assim, apenas um simples “Miau” maldisposto que em língua de gato deve querer dizer “Adeus”, porque ele partiu estrada fora muito senhor dos seus bigodes, a bater com força com as patas no chão, deixando as marcas em triângulo desenhadas no pó, muito direitas a apontar para a frente. Apenas para a frente.
E desapareceu.
Caminhou durante duas horas ao longo do mar. Ao lado passam carros em alta velocidade, taxis amarelos, bicicletas verdes, motorizadas com muitas cores. E todos apitam, fazem pó e fumo, gritam uns com os outros.
– Miaudau! – Fez ele, que deve querer dizer “Nada me vai assustar”, porque ele continuou de passo certo deixando as mesmas marcas em triângulo desenhadas no pó, muito direitas a apontar para a frente. Apenas para a frente.
E caminhou mais uma hora. Passou em frente ao farol e sentou-se a descansar. Olhou para o mar e viu um atum a saltar e pensou:
– Miauuurau! – que deve querer dizer “Tenho fome” porque ouviu-se a barriga a reclamar. Mas como é um gato valente levanta-se e continua a viagem. E caminhou, caminhou, caminhou até que chegou ao porto.
E escondeu-se.
No porto há uma grande agitação; barcos carregados de sacos de arroz chegam. Pequenas filas de gente levam os sacos até um grande camião. Navios enormes abrem as portas e de dentro saem automóveis. O Ferry despeja pessoas e sacos e crianças e galinhas e cabras e dois cavalos que viajaram da ilha até aqui. E entre eles estão homens de Ataúro carregados com esculturas de madeira negras para vender aos Malae em Dili.
E o Hermenegildo esconde-se. Esconde-se bem escondido debaixo das folhas de uma bananeira baixinha. (As bananeiras não são árvores. As bananeiras são ervas gigantes, mas pouca gente sabe disso.)
– Miauraurau! – disse ele, que deve querer dizer “vou esperar”, porque ele deixou-se ficar ali muito quieto, mesmo muito quieto, tão quieto, tão quieto, que acabou por adormecer…