um dia, já depois das pessoas terem fugido da cidade e se concentrado em zonas que supostamente lhes ofereciam segurança, um dia ao regressar de Dili para Baucau com uma cassete nova a tocar no carro, comprada à pressa na rua na esperança de não vir a adormecer ao volante, assim um dia com o M ao lado que acredita no Deus Católico Apostólico Romano e fez disso profissão, um dia ao passarmos em Metinaro num final de tarde, com as pessoas a regressarem da cidade, com as janelas fechadas por segurança – seguindo o protocolo – num andamento lento muito lento, com olhos a seguirem-nos e a voltarem-se depois com uma indiferença ausente, com crianças sem uniforme da escola e tendas e tendas de roupa em 2ª mão, ouve-se uma voz no carro, e violinos e violoncelos. e a voz eleva-se e apaga os sons de lá de fora. e em câmara lenta, muito lenta, ouve-se inesperadamente o “Panis Angelicus”. E a voz diz-nos Panis angelicus, fit panis hominum; dat panis coelius figuris terminum O res mirabilis. E tudo era calmo, e triste e doce. E a voz eleva-se levemente enquanto passamos nas tendas com molhos de mostarda e flores de bananeira e a voz diz “manducat Dominium Pauper, Pauper, Servus et humilis, Pauper, Pauper Servus et humilis”, e ao fundo, lá ao fundo onde a estrada encontra o céu, tudo se torna vermelho e azul e rosa e sente-se Deus ali ao lado quieto, imóvel, limitado à contemplação. E as pessoas continuam a desfilar ao lado do carro, já cinzentas, ainda lentas – Pauper, Pauper Servus et humilis – e vão ficando para trás até se apagarem, cobertas pela noite. E Deus retira-se, sem a mesma subtileza com que entrou naquele carro.
viajei consigo, agora, nesse carro…
Obrigado. Há coisas que nunca esquecerei. No mais profundo de mim só há uma palavra, Saudade
O campo de deslocados de Metinaro para mim foi sempre um pesadelo. Lembro-me de teres escrito qualquer coisa sobre uma comparação de Timor naquele periodo com o ensaio da cegueira. Foi assim que eu o vivi. O facto de la ter 10 membros da familia numa das tendas contribuiu para isso. Gosto da sua visão do meu Timor. Há amor nas palavras. Respeito-a por isso.
A mana desculpa. Sou o Félix Coreia, esqueci de assinar. O nosso falecido José seu deputy deu o seu endereço do blog e venho cá sempre que posso. Gosto muito. Este já está mais parecido com o outro que tinha. Nós gostamos de ler o que os outros sentem da nossa terra sem ser a politica. Bom dia, mana. Volte depressa.