Categoria: CRAFT

  • de sono…

     

    Acordei ás 6.30 da manhã de supetão.

    A parte superior do corpo ergueu-se sem eu ter noção de ter usado ou não as mãos como apoio.

    Virei a cabeça para o lado esquerdo e vi a luz do dia e senti o ar fresco da madrugada em forma de brisa a agitar suavemente as folhas da cerejeira.

    Inspirei.

    Vi a teia de aranha que se formou durante a noite.

    Expirei.

    Virei novamente a cabeça e olhei para a parede branca em frente e subitamente, assim como se fosse um clique, assim como se estivesse na água prestes a afogar-me e a vida me passasse pela frente em meras fracções de segundo como nos filmes não-europeus, assim subitamente, consegui identificar todas as más decisões que tomei na vida, o porque foram más, o quando começaram a ser más, o porque se tornaram más. E dava a sensação que as seguia com o dedo como se fizesse a decomposição de uma frase em árvore, a esquematização de um projecto, como se seguisse um mapa de estrada com todas as pequenas aldeias e lugarejos identificados.

    E sucederam-se os rostos, as paisagens, as reuniões, as paixões. E em cada uma das situações que visionava eu podia com o indicador precisar com exactidão em que momento se deu a mudança. Como se fosse uma complexa rede rodoviária e o dedo apontasse todas as intersecções.

    E aquele momento de clareza trouxe-me uma paz e uma angústia e um sossego agitado. E a sensação de finalmente ter percebido o meu trajecto, o porquê do meu trajecto, o sentido de cada angústia, o papel de cada pessoa que se cruzou comigo, ou a ausência dele. E vi os rostos daqueles em quem não vou investir mais, e vi os rostos daqueles por quem perdi o respeito, e vi os rostos daqueles a quem me cansei de perdoar e tentar entender e senti-me especialmente forte. Pela primeira vez senti-me imbatível.

    Não imbatível de uma forma arrogante, mas imbatível porque consciente do que sou, do caminho que fui traçando entre o desejo, o plano e o acaso, dos meus grandes fracassos, dos meus pequenos sucessos, fui sempre eu toda e inteira, sofrendo com a mesma intensidade com que vivi a alegria, com a mesma sofreguidão com que como um prato de pene e salmão fumado com molho de vodca.

    E adormeci novamente.

    E o segundo despertar foi igual ao dos outros dias.

  • do ballet…

    foi o D.Quixote e ela uma espanhola.

    perdida ás cores no meio das outras, passinhos memorizados

    e depois quando o grupinho dela sai do palco, o tédio até se chegar ao fim.

    porque eu só lá vou para ver a minha menina. sou uma mãe do tipo anal.

    e num teatro apinhado de gente, sem qualquer circulação de ar, num município onde se contratam escolas de samba com meninas em fio dental, à chuva em Fevereiro, para animar desfiles de carnaval de crianças e Quim Barreiros para encerrar as festividades anuais, ninguém acha importante manter a única sala de espectáculos em pleno Verão, com uma ligeira brisa… assim muito ligeira que fosse. uma brisa…

  • de Alfama é liiiinda!

    (na foto – o fantástico grelhador singer dos Staats!)

    quando eu morava em Alfama numa casa fantástica junto à Igreja de Santo Estevão, daquelas em que baixamos a cabeça para passar da cozinha à sala, com fogão de lenha em ferro do seculo XVIII, com escadinhas estreitas de madeira para subir ao primeiro andar, com banquinhos de pedra nas janelas, e janelinhas pequenas nas portas.

    quando eu morava em Alfama e secava a roupa no estendal à janela, quando era fotografada por 15 japoneses de cada vez que pendurava as cuecas, quando me afastavam a cortina da sala do rés do chão para me espreitarem a casa – “oh sorry”! – enquanto comia os cereais com o sol de Maio a bater-me nas pernas, quando abria a porta e deixava o cão sair para passear e a vizinha me fazia o relatório – “A sua Maria, andava ali com um cão vadio” -assim como se ela fosse menina e lhe tivesse que velar pela reputação.

    quando caminhava a pé para o escritório, ali junto ao castelo, quando descia à baixa no 28 cheio de turistas e alunos de circo e advogados a querer ser juizes, quando corria ao celeiro comprar o almoço pronto e subia a pé sem me cansar.

    nessa altura, fatalmente nessa altura, quando as ruas vestiam manjericos de papel e os meninos faziam os altares de cartão. quando os vizinhos compravam a sardinha e começavam a cortar a fruta para a sangria, quando finalmente estava pronta para viver os santos da parte de dentro, todos os anos, fatalmente, uma reunião era marcada em Londres e eu passava a semana fora…

    e quando regressava, as ruas tinham o cheiro pestilento da festa que acabou, os papelotes presos só por uma ponta, os altares teimosamente no mesmo sítio e só uma coisa alegrava os dias: a puta da discussão sobre a puta da marcha – onde diga-se só tinham marchado putas – e a filha da putisse de terem ganho nesse ano!

     

  • da provincia…

    Enquanto esperávamos que a fila para as farturas, churros e ademais diminuísse, reparamos num magote na parte de trás do palco onde a artista actuou. E subitamente animação. Com a Gui e a amiga pela mão vamos lá espreitar. Era a artista!

    As miúdas querem ver. Nunca a ouviram cantar, não sabem quem seja, mas é artista!!! E sendo elas próprias duas pirosas bailarinas apaixonadas por tutus e palcos, não se pode dizer não!

     

    Rapidamente chegamos á artista, e eu sem saber o protocolo pergunto-lhe se dá para tirar uma foto com as miúdas e ela muito sorridente, muito discreta, com uma voz baixinha, toda ela também pequenina, diz que sim, e como havia o problema das alturas, afasta a grade de segurança vem cá para este lado onde estávamos nós, as provincianas, e abraça as meninas e click!

    E eu confesso que fiquei surpreendida com a ternura, com a falta de pose, a naturalidade e decidi que posso não ouvir a musica, ou visitar o site, mas a partir de hoje defendo com unhas e dentes a Ana Malhoa! 

     E como era já tarde, mesmo muito muito tarde arrastamo-nos para um banco de jardim onde já estava sentada uma senhora mais muito mais gorda do que eu. Todos à espera da respectiva boleia (que eu sou uma cidadã sem carta de condução válida em Portugal).

     

    A senhora mais muito mais gorda do que eu pergunta-me se vi o rapaz das pipocas, se ele já fechou a banca? Eu digo que não sei mas talvez não porque a feira está ainda muito cheia. Que ele ficou de ir ter com ela, que lhe disse que fechava à uma e meia e que iria ter com ela.

    E acrescenta a senhora mais muito mais gorda do que eu subitamente muito agitada e a fazer uns movimentos estranhos com a cabeça e uma das pernas, que já passa  da hora e ela certo tem que se ir porque tem que ir tomar a medicação e subitamente um ruído enorme de vozes de um grupo que se aproxima. “Eh Zé, Eh Pedro!” grita ela. Vira-se para mim e informa-me: “São os meus colegas da instituição…”

  • da menina…

     

     

    que se formou…

    penso que a partir de amanhã iniciaremos a elaboração do curriculum e seu respectivo envio.

    temos boas hipóteses na indústria do calçado.

     

    fingers crossed!

  • #15

    Ele acha que os amigos deixam marcas que levamos para toda a parte…

    Mas mesmo assim há dias em que sente frio…

     

    Agora disponíveis aqui!

  • de Junho #14

    pensamos que seja menina, pensamos que seja varina, pensamos que conheça o alfacinha e seja a razão do fado gago…

     

  • de #13 – o alfacinha

     

    os rumores são variados.

    dizem que é verde de ser lisboeta, que levou à letra o ser alfacinha e entre a navalha e a varina e um fado gago à sergio godinho, acordou assim um dia, tatuado de folhas de alface e nunca mais voltou a ser o mesmo…

  • de susto….

     

    confesso que andava aflita.

    assustada.

    mal dormida

    com receio que fosse desta; que fosse este ano que me calhava a mim ser condecorada no 10 de Junho…

    que alguém lá em Belém esticasse um dedo incriminatório e apontasse o meu nome numa lista e bradasse: Esta, esta! Esta prestou serviços à Nação!

    Ufa!

  • da tristeza

    (chiloé – foto de Tiago Gava)

    A V. mencionou Pablo Neruda e eu lembrei-me da cassete pirosa que comprei no chile com a voz dele a declamar poemas. nunca a ouvi. sempre que alguém declama sinto um certo constrangimento. acho os olhos fechados as mãos estendidas o fingimento do sentimento uma coisa muito embaraçosa para quem o faz. e fico numa aflição por a pessoa estar naquela figura. nada me angustia mais do que a maria barroso a declamar. o arrastar das palavras o acento forçado de certas tónicas. dá-me uma alfição tremenda. a senhora nem precisa daquilo para viver.

    acho que a poesia tem que ser lida com a nossa própria voz e para dentro.

    tenho um amigo, daqueles do tempo de escola, daqueles que partilharam a análise das divisões silábicas dos versos e a tortura dos cantos, que quando conversamos, invariavelmente a cada 5 minutos, sai-nos uma referência qualquer a Pessoa para ilustrar o que dizemos.

    e eu por vezes penso que não é o Pessoa que sabe muito sobre o que sentimos, que escolheu as palavras que não conseguimos encontrar. é menos do que isso, somos nós a lembrarmo-nos que ambos ambos sabemos de onde viemos e que para nos entendermos, assim como só nós dois o fazemos sem artificios, precisamos de voltar lá e trazer o que fomos para o presente através das palavras do poeta.

    e assim para nós, a poesia torna-se a preguiça da expressão.

     

    de Neruda diziam-me os miudos em chiloé, que morreu de tristeza. que não estava doente, mas ficou triste triste triste com o chile da ditadura sem palavras livres e a tristeza foi apagando cada um dos seus orgãos até lhe tirar o sopro.

    e sentada na praça em Castro a olhar a igreja pintada de salmão e lilás, tudo isso me pareceu perfeitamente lógico e credivel.

  • de terminado

     

    terminei já faz dias o livro da Soule Mama.

    que posso dizer?

    gostei.

    o livro é muito simples. simples no sentido em que lhe foi retirada toda a pomposidade e percebe-se que é uma partilha de experiências com um tom de “isto resultou comigo se quiseres podes experimentar”.

    os projectos são também eles simples, a maioria já conhecidos do blog, mas acima de tudo o livro é acerca de uma filosofia de familia de onde transparece uma grande calma e equilibrio, onde se dá tempo e espaço ás crianças para explorar os sentidos através de uma serie de actividades e ciclos.

    é lógico que surge um sentimento de frustração quando se não tem a vantagem de viver num local tão rico como o da autora; praia, campo, floresta… mas apesar disso ela dá dicas para se resolver a questão!

     

     

  • de drama

    poderá não vos parecer dramático mas a mim aflige-me;

    hoje acordei com a plena noção de que não sou capaz de listar 5 poetas vivos…

  • da infância…

                                                                                                                              

    os óculos… os bróculos… os dentes a cair… os pés grandes… os caracóis… os saltos altos… o verniz torto nas unhas… o rosa… as plumas… tudo o que brilhe… que passe depressa… que passe com vagar…

  • de laundry day no reino das fadas…

     

    não só existem, como consta que hoje andam por aí nuas nuas…

  • de confissões

    confesso que os meus ursos não me dão prazer a fazer.

    os meus ursos são complicados, cheios de detalhes, qualquer pequena imperfeição é ampliada ao serem enchidos.

    os meus ursos ficam-me caros, por causa dos tecidos, por causa dos olhos, por causa do enchimento.

    os meus ursos são morosos.

    e chatos profundamente chatos, porque se a linha não for bem daquele tom, fica mal, porque se o pescoço não for cosido em determinada direcção, fica torto, e se o braço ficar uns milimetros mais atrás ou à frente da perpendicular ao eixo da articulação da perna, fica desiquilibrado…

    os meus ursos são um exercicio matemático…

    mas prometi a mim mesma acabar todos os que foram projectados, e por isso a partir de daqui a 15 minutos, prometo dar-lhes cabeças e pernas e uma biografia… não quero que os bichos cheguem assim ao mundo sem passado… ao contrario das mulheres que é suposto não o terem e dos homens de quem se espera um futuro…

    Em Bangkok encontrei um bichinho que não resisti a comprar.

    Chama-se B Monster (ainda não o fotografei) e pertence a uma colecção de bonecos todos iguais, variando apenas os tecidos. A fórmula já está gasta, mas eu gosto. O B Monster é tão simples que irrita, mas terrivelmente simpático e surpreendentemente agradou à Gui…

    Não percebo esta minha mania de fazer bonecos em 3D. É lógico que gosto quando vejo as pequeninas agarradas a eles, quando os vejo baptizados e enquadrados na família, enfiados nos saquinhos personalizados em que gostam de viajar, mas a morosidade do processo leva a que no final não sinta prazer ao olhar para eles, mas apenas um profundo alivio por a tarefa estar terminada…

    Descobri através do etsy uma bonequeira fantástica que faz as bonecas que eu gostaria de fazer se me tivesse lembrado disso e se soubesse como.

    São bonecas de trapos. Mas verdadeiras bonecas de trapos. sem olhinhos delicados e cabelos louros. São básicas, toscas, poderiam ter sido feitas por meninas sem mais nada com que brincar, e é fácil imaginar rostinhos sujos a brincarem com elas no meio de milho alto (demasiadas horas na infancia dispendidas a ver a “Casa na Pradaria…”) Estas bonecas fazem parte de uma corrente de crafters chamada de Primitiva (Primitive Artisan). As bonecas produzidas segundo este conceito, fazem lembrar filmes de terror de segunda categoria cheios de crianças fantasma.

    Eu gosto!

     

  • de tuga forever…

    o verdadeiro drama de se ficar alojada numa zona chique de uma cidade Asiatica reside no facto de se nao arranjar por perto uma loja interessante de falsificacoes genuinas.

    ficar num hotel de cinco estrelas sabe bem. sabe mesmo muito bem. Mas quando pedimos ao condutor da limosine – sim eu disse limosine – para nos levar rapidamente a uma zona comercial – tendo em mente o prodigo magnet para o frigorifico, o chinelinho do dedo em bambu e os oculos praticamente de sol, ele leva-nos ao Emporium.

    No Emporium passeamos com os pes ainda inchados da viagem de ha dois dias em classe turistica, pelas lojinhas da Chanel, da gucci, do vitton e no final concluimos que a Calvin e barata e nao se enquadra no local.

    No Emporium existe uma livraria Japonesa com 5 filas dedicadas a revistas craft. e sao tantas, tantas, que se acaba por nao trazer nenhuma…

    No emporium ha uma zona fantastica de restauracao onde as salsichas sao redondas e tudo cheira a amendoim. Escolhe-se, aponta-se com o dedo e depois passeia-se calmamente, com um ar distante e empertigado, entre a Hermes, e a Rolex, a mordiscar sate directamente do saco plastico…

     

    (fotos quando chegar a casa…)

  • de quase abril…

     

    João Paulo Dinis aos microfones dos Emissores Associados de Lisboa:
    «Faltam cinco minutos para as vinte e três horas. Convosco, Paulo de Carvalho com o Eurofestival 74, E Depois do Adeus …».

    E Depois do Adeus

    1.
    Quis saber quem sou
    O que faço aqui
    Quem me abandonou
    De quem me esqueci
    Perguntei por mim
    Quis saber de nós
    Mas o mar
    Não me traz
    Tua voz.

    2.
    Em silêncio, amor
    Em tristeza e fim
    Eu te sinto, em flor
    Eu te sofro, em mim
    Eu te lembro, assim
    Partir é morrer
    Como amar
    É ganhar
    E perder3.
    Tu vieste em flor
    Eu te desfolhei
    Tu te deste em amor
    Eu nada te dei
    Em teu corpo, amor
    Eu adormeci
    Morri nele
    E ao morrer
    Renasci
    4.
    E depois do amor
    E depois de nós
    O dizer adeus
    O ficarmos sós
    Teu lugar a mais
    Tua ausência em mim
    Tua paz
    Que perdi
    Minha dor que aprendi
    De novo vieste em flor
    Te desfolhei…5.
    E depois do amor
    E depois de nós
    O adeus
    O ficarmos sós.

     

     

    Foto de Alfredo cunha na “olhares”